A AMAZÔNIA
A grande floresta tropical brasileira é rica por natureza, além de apresentar grande potencial em ouro e pedras preciosas, também possui elevado número de gemas orgânicas, ou seja, elementos de sua biodiversidade capazes de compor as mais belas joias. São sementes de açaí, jarina, tento, jupati, flamboyant, madeiras nobres, fibras entre outros elementos que podem ser combinados com ouro, prata e pedras preciosas e assim contribuir sistematicamente com o desenvolvimento sustentável desta região e da indústria joalheira nacional como um todo.
Fig.01. Colar “Açaí” no pescoço da atriz Taís Araújo de autoria da Designer Paraense Selma Montenegro finalista do concurso da mineradora de ouro AngloGold no ano de 2012 cujo tema foi “Brasilidades” (imagens cedidas pela designer).
Fig. 02. Colar “Açaí” faz alusão ao uso do caroço de açaí em joias, porém a peças foi produzida com 500 gramas de ouro, placas de tucumã (preto), e madeira imbuia (Designer Selma Montenegro).
Fig.03. Colares de açaí típicos da região amazônica, simples, sem a presença de metais nobres.
AÇAÍ
A confecção de biojoias de açaí é comum nas regiões ribeirinhas do Estado do Pará e tem forte apelo sustentável, seu efeito visual é fabuloso, atrai turistas e o produto é de venda fácil, porém de baixo valor agregado, pois em geral não há presença de metal nobre neste produto. A peça “açaí“ da designer Selma Montenegro é conceitual (Figuras 1 e 2), tecnicamente ela chama atenção para o fruto açaí típico da região amazônica, mas também faz um apelo para se intensificar o uso do caroço de açaí, não somente como bijuterias, mas também com metais nobres, pedras preciosas, ou seja, um apelo para que os caroços passem a ser vistos como como fonte de insumo para os 3 seguimentos industriais joalheiros principais, isto é; os de joias de ouro fino 18K, de Joias folheadas a ouro, e no seguimento de bijuterias finas.
Fig.4. Anel moderno com cabochão de jarina da designer Chis Lanza e sementes de Jarina (Foto: Almir Pastore).
Fig.5. Jarinas esculpidas na máquina CNC prontas para compor joias
JARINA
A Jarina (Phytelephas macrocarpa) é uma palmeira que dá uma semente de mesmo nome e que durante mais de um século é conhecida como o “marfim vegetal da Amazônia” (Figura 4). Trata-se de um dos elementos da biodiversidade amazônica que reúne todos os atributos para se tornar literalmente uma gema orgânica e ganhar o mercado internacional para seu uso em joias. A Jarina apresenta propriedades físicas semelhantes ao do marfim e pode ser o substituto à altura do marfim animal que por sua vez se tornou-se ilegal por não está em conformidade com as leis de proteção aos animais, no caso o elefante. A Jarina apresenta dureza em torno de 2,5 na escala de Mohs e uma vez certificada como gema orgânica a jarina vai poder ser usada em joias com ouro, folheados a ouro e bijuterias finas sem distinção. Vale ressaltar que a jarina aceita polimento, facetamento tipo cabochão, esculturas e fresamento (Fig.4). Sua composição é tão inusitada que pesquisadores da UFPA identificaram minúsculos cristalitos na composição juntamente com celulose. A jarina vem também ganhando conotação científica e comercial e permitiu que o professor da UFPa – Univ. Federal o Prof. Marcondes Lima da costa lançasse o livro Jarina, o Marfim Vegetal da Amazônia com informações valiosas sobre esta semente.
Fig.06. Par de brincos feitos com escamas de pirarucu, ouro branco e diamantes negros (Design da peça Mauricio Favacho)
ESCAMAS DE PIRARUCU
As escamas do pirarucu (Arapaima Gigas) podem chegar até 10cm (Figura 6). Trata-se do maior peixe de água doce podendo chegar até 200 kg e medir até 3 metros. O pirarucu é um peixe amazônico que existem em mananciais naturais, porém é também um peixe criado em cativeiro. O mais interessante deste peixe é que suas escamas evoluíram ao longo dos anos em dureza, tornando se uma verdadeira proteção contra um dos maiores predadores dos rios amazônicos, a piranha. Essa propriedade faz destas escamas uma excelente matéria-prima para compor biojoias e joias com metais preciosos e pedras preciosas. A escama do pirarucu é tão resistente que existem até mesmo estudos apontando como matéria-prima para coletes a prova de bala. Pesquisadores da área de ciência dos materiais do Instituto Militar de Engenharia mostraram que a estrutura das escamas do pirarucu é um compósito que consiste em uma camada externa mineralizada com corrugações superficiais e uma base colagenosa interna e suas análises químicas por difração de raios X (DRX) revelaram que a superfície externa da escama contém o mineral hidroxiapatita o que faz deste um potencial material para ser considerado uma futura gema orgânica para uso pela indústria joalheira.
Fig.7. Ouro 18K e Fibras de Buriti na joia da designer Selma Montenegro, ressaltando grande potencial dos biomateriais e metais preciosos nas biojoias da Amazônia como produto de identidade geográfica.
FIBRAS DE BURITI
A fibra da palha do buriti é uma excelente matéria-prima para biojoias (fig.7). Ela é extraída das folhas novas, ainda fechadas, da palmeira buriti. Nas mãos de hábeis artesãs surgem bolsas, chapéus, toalhas de mesa, redes, sandálias, e bijuterias finas. Na Amazônia, sua associação com o ouro veio através do programa polo joalheiro do Pará que visa agregar maior valor aos produtos de joalheria do estado. Embora seja uma fibra típica do cerrado brasileiro, na Amazônia os buritizais estão localizados no nordeste do estado, nas proximidades do município de Abaetetuba.
Fig.8. Joias com ouro, madeira de pupunheira, fibra de arumä, quartzo verde, quartzo rosa, ametista, green gold, e citrino.
MADEIRAS NOBRES
Se olharmos por um certo ângulo, a madeira são usadas em objetos de alto luxo desde épocas remotas, um bom exemplo é a produção do violino Stradivarius, e as joias de crioulas que tinham a madeira como elemento principal. Nos tempos modernos a madeira é observada em detalhes de iates, cassinos, detalhes de produtos sofisticados em ouro e prata como talheres entre outros.
Assim como as pedras preciosas as madeiras nobres também têm sua classificação, isso significa dizer que não é qualquer madeira que deverá compor uma joia, ele precisa ter uma história, estar na moda, ser ecologicamente correta, não estar vinculada a desmatamento e em alguns casos passar por impermeabilizações para evitar fungos e bactérias. Satisfeitas estas condições a madeira estará apta aos mais belos designs como as das peças a seguir (Figura 8).
Fig.9. Sementes rotineiramente usadas em fabricação de joias, o grande desafio está no tratamento correto a cada uma delas para aumento de sua dureza e durabilidade.
OS TRATAMENTOS
Assim como algumas gemas de base mineral como diamantes, turmalinas, quartzos, ágatas etc. que precisam de tratamentos para o melhoramento de suas cores e pureza, as chamadas gemas orgânicas da Amazônia também precisam de tratamento para aumento de sua dureza e durabilidade, neste sentido a e associação com as universidades para o estudo destes tratamentos são de extrema importância, abrindo um amplo leque para iniciação científica, trabalhos de conclusão de cursos, mestrado e até mesmo doutorado (Figura 9).
A aplicação de tratamentos em sementes ou matérias-primas orgânicas para seu uso em biojoias sempre foram grandes desafios, eles são realizados visando aumentar a dureza, a durabilidade e eliminação de fungos e patógenos em geral comuns nestas matérias-primas principalmente se o objetivo for exportação. Há trabalhos relevantes da Embrapa Pará quanto ao uso de fornos muflas em temperaturas adequadas, porém o mais indicado seria mesmo a esterilização por raios gama existentes comercialmente no Brasil e onde a biojoia poderá entrar até mesmo com a embalagem para receber a dosagem de radiação adequada para a esterilização.
SUSTENTABILIDADE E INDÚSTRIA JOALHEIRA
Atualmente é notório que as indústrias em geral estão se tornando sustentáveis, este é um apelo global que muitas usam até mesmo como marketing. Com a indústria joalheira não deverá ser diferente nos próximos anos, onde ela deverá mostrar sua preocupação com o ser humano, com a erradicação da pobreza, geração de emprego e renda e uma visão sistêmica do desenvolvimento da cadeia produtiva de gemas, joias e metais preciosos do Brasil, inclusive os dos estados amazônicos que apesar de alto potencial em ouro, pedras preciosas e elementos orgânicos há décadas atuam somente como fornecedoras destas matérias-primas preciosas. Neste sentido as diferentes localidades da grande floresta tropical tornam-se não somente um grande celeiro para o fornecimento destas matérias-primas preciosas, mas também o local ideal das práticas sustentáveis por parte das grandes indústrias joalheiras nacional e internacional e seus seguimentos de folheados e bijuterias finas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS: BIOJOIA OU ECOJOIA
Biojoia ou Ecojoia? Os termos parecem sinônimos. Porém, se analisarmos seus pormenores há muita diferença entre ambos no âmbito científico e principalmente no âmbito comercial (marketing). Pela etmologia da palavra o prefixo “Bio” significa vida, sem dúvida é um prefixo mais amplo e de conhecimento internacional, no entanto o prefixo “Eco” que significa habitação ou casa, arremete diretamente ao tema sustentabilidade e diretamente aos arranjos produtivos na Amazônia produtores destas matérias-primas. O prefixo “Bio” parece ser muito amplo dando a ideia de tudo que é orgânico possa ser colocado em joias, quanto ao segundo, ou seja, o prefixo “Eco” parece ser mais seletivo, tendo mais ligações com parâmetros gemológicos, visto que ecologia, sustentabilidade e meio ambiente estão literalmente “na moda” em dias atuais e a moda é um parâmetro gemológico muito forte.
Em síntese, as gemas de origem orgânicas endêmicas da Amazônia e de outros lugares do Brasil, suas quantidades e tratamentos também necessitam de identificação, classificação e avaliação e o desenvolvimento de uma norma técnica que contemple todos estes detalhes visando seu uso em joias com metais e pedras preciosas se faz extremamente necessário e isto certamente sugere uma nova ABNT voltada exclusivamente para gemas de origem orgânica do Brasil.
Sobre o autor: Mauricio Favacho é MSc. geólogo, gemólogo especialista em gemas, joias e metais preciosos, modelista 3D de joias, Fundador e CEO na KARAJAZ- startup de fabricação digital de joias, semijoias e biojoias, e também Pesquisador Empreendedor na BioTec Amazônia.
Matéria Publicada na Revista Feninjer – A revista da maior feira de joias e afins da Indústria Joalheira Brasileira. Edição 30.
Acesse a matéria na revista através do link https://joom.ag/hkme/p156